Afinal tudo o que estava marcado podia esperar, não tinha que ser mesmo naquele dia. Aquele prazo não é assim tão imperioso, parece que é possível adiar quinze dias, mais quinze dias, um mês, o verão! Mas talvez seja melhor marcar para ano, talvez seja mais seguro. Ou então, não se marca nada por enquanto, se calhar não há essa necessidade. Se calhar não é assim tão importante. Se calhar não somos assim tão importantes.
O que é que é importante?
Talvez o supermercado – parece que o papel higiénico foi muito importante. A farmácia, a bomba de gasolina: os não-lugares, os anónimos, os que vivem nos bastidores da nossa vida mas que reconhecemos agora fundamentais para que o espetáculo continue. E no centro da cena o hospital, claro, médicos, enfermeiros, assistentes operacionais, administrativos, bombeiros, do pneumologista à senhora da cozinha, o Hospital é o protagonista: a todos que o integram, tiro o meu chapéu.
E nós, o público – sentados na plateia no conforto do nosso sofá. Baralharam-nos o papel. A personagem que nos deram não é verosímil. No silêncio domiciliário caiem as máscaras, mas nas redes sociais, continuamos mascarados com filtros que nos fazem mais bonitos do que somos, mais corretos do que somos, para nos acreditarmos mais amados do que somos.
Não seria este o tempo de apenas Sermos? Hamlet! Ser! Sê! Eis a questão! De aceitarmos a fragilidade da vida para simplesmente a vivermos e deixarmos viver? O que é que cada um de nós está realmente a fazer pelos outros?
Estamos numa nova página da História do Mundo, talvez tenhamos abandonado definitivamente a Idade Contemporânea. Não sei para onde vamos. Mudaram-se os tempos Camões, fábricas têxteis dedicam-se a máscaras, fábricas de cerveja produzem desinfetante, o teatro apresenta-se online, o ensino é feito à distância. Mudaram-se os tempos mas continuamos com a mesma vontade! Por isso reinventamo-nos juntos, a escola, a rua, o bairro, o país!
Reinventamo-nos todos os dias, com os estudantes e os professores e os demais colaboradores num sentido único, não para remediar, mas para solidificar aquilo que até agora ficou feito, o espetáculo tem de continuar.
Da minha parte comprometo-me com os meus estudantes a criar e a sonhar como nos outros dias.
Adérito Lopes